SACRIFICIO DE ANIMAIS EM RITUAIS DE RELIGIÕES DE MATRIZ
AFRICANAS
Introdução
Algumas religiões de matriz africana têm como parte de seu ritual o sacrifício de
animais. A Constituição da República garante a liberdade religiosa como direito e garantia
fundamental, positivando o principio em seu art. 5º, VI. O texto constitucional também
protege a manifestação da cultura afro-brasileira, indígena e popular no art. 215 §1º. Por outro
lado, a Carta Magna protege a fauna e a flora vedando as práticas que submetam os animais à
crueldade (art. 225 §1,VII).
Objetivo
Compreender como o Poder Judiciário e o Poder Legislativo lidam com os conflitos que
podem surgir entre a proteção conferida aos animais, de um lado, e as práticas religiosas que
demandem o sacrifício ritualístico de animais, de outro.
Metodologia
A pesquisa se divide em duas fases. Num primeiro momento de investigação foi
necessária a elaboração de pesquisa doutrinária e de campo para o entendimento do “sacrifício
ritualístico de animais”. Para tanto, foram feitas entrevistas com líderes religiosos das
principais religiões de matriz africana, sem, contudo, ser evidenciado o conteúdo valorativo
das mesmas.
Na segunda fase foi feita uma análise da legislação infraconstitucional brasileira e de
exemplares jurisprudenciais relevantes para o tema estudado: a lei federal nº 9.605 de 1998
que trata dos crimes ambientais, com a finalidade de saber se é típico ou não a prática de
sacrifício de animais em rituais de religiões de matriz africana. Foi estudado também o
Código Estadual de Proteção aos animais do Estado do Rio Grande do Sul que, em seu artigo
2º, par. único, exclui os cultos e liturgias das religiões de ma triz africana das vedações que a
lei traz (lei nº 11.915 de 2003 atualizada pela lei nº 12.131 de 2004). O exemplar normativo
estadual foi objeto de uma Representação de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça
daquele estado, cuja decisão foi objeto de um Recurso Extraordinário ainda não julgado pelo
Supremo Tribunal Federal (RE nº494601).
Em seguida analisamos o acórdão da Representação de Inconstitucionalidade proferido
pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 2005
(nº70010129690) que julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da
lei.
Encontramos ainda um Agravo de Instrumento de 2006 da quarta câmara cível daquele
tribunal que tinha por objeto uma decisão liminar proferida por um juiz que obrigava o
município de Novo Hamburgo e o Estado do Rio Grande do Sul a diagnosticarem todos os
possíveis locais em que são realizados rituais e liturgias religiosas de matriz africana em que
há o sacrifício de animais. O Agravo foi provido concedendo efeito suspensivo e excluindo o
Estado do Rio Grande do Sul, pois é competência municipal exercer o poder de polícia
Departamento de Direito
administrativa nas matérias de interesse local, como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância
e a fiscalização sanitárias (nº70013114574).
Em uma pesquisa pelo sitio do Supremo Tribunal Federal, não foram localizados
exemplares jurisprudenciais sobre o sacrifício de animais nos cultos de matriz africana, salvo
o já mencionado RE494601 que ainda não foi julgado, mas foi localizado o Recurso
Extraordinário nº 153.531-0, de 1997, que tinha como escopo obter a condenação do Estado
de Santa Catarina a proibir a denominada festa da “farra do boi” e/ou manifestações
assemelhadas pelos maus tratos à que são submetidos os animais. Os recorridos alegaram que
a festa é uma manifestação cultural com origens em uma festa açoriana que foi trazida para o
Brasil por imigrantes daquela região. Neste julgamento, preponderou o principio da livre
manifestação cultural.
Conclusões
A primeira fase da pesquisa nos permitiu compreender o sacrifício ritual de animais –
que este não ocorre a qualquer momento ou por qualquer motivo. Esta prática tem
fundamentos milenares e mágicos e representa um dogma para estas religiões. Quando um
sacerdote imola um animal, ele não está matando-o, mas entregando uma oferenda ao
sagrado. Hoje em dia, utilizam-se apenas animais domésticos ou domesticados comprados em
locais específicos.
Em uma primeira leitura da lei federal nº 9.605, de 1998, poderíamos enquadrar o
sacrifício de animais na conduta tipificada no artigo 29 da lei que tipifica a ação de matar
animais silvestres, ou em seu artigo 32, que incrimina a prática de ato de abuso, maus tratos,
mutila ou mata animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. É curioso
que a lei não tenha incluído em seu artigo 37, que trata das causas de exclusão da ilicitude, o
sacrifício ritual de animais. Podemos então sustentar que o sacrifício ritual de animais é
atípico, pois o sacerdote, quando o prática, não tem o dolo especifico dos tipos penais:
submeter os animais a maus tratos ou matá- los. Existe uma sutileza muito importante entre
matar e sacrificar um animal. O que a lei visa proteger é a morte cruel do animal, a morte que
decorre de práticas levianas; jamais poder-se ia imaginar uma proteção integral a todos os
animais, uma vez que diariamente são abatidos milhares de aves, suínos e outros animais para
alimentar a população.
Entendemos que o Brasil deveria ter uma legislação especifica sobre o sacrifício de
animais1 em rituais de matriz africana, principalmente pelo fato de o Brasil ter esta prática
muito presente em seu território. Como o assunto é delicado e envolve, além do aspecto
religioso, a preservação da cultura afro-brasileira, não é tolerável que esta prática não tenha
regulamentação própria e tenha que se submeter às leis gerais de proteção aos animais.
Cabe então ao Poder Judiciário definir os limites entre a proteção conferida aos animais
e a liberdade religiosa com a preservação da cultura afro-brasileira. O Tribunal do Rio Grande
do Sul se pronunciou pela preservação da cultura afro-brasileira e da liberdade religiosa. No
entanto, esta decisão pode ser reformada pelo Supremo Tribunal Federal e, de todo modo, ela
se limita ao Estado do Rio Grande do Sul, Esta decisão não diz respeito aos crimes previstos
na lei federal nº 9.605 de 1998 que ainda precisará ser temperada pelo Poder Judiciário.
1 Em Portugal, apesar de não ter quantidade expressiva de adeptos de religiões que necessitam de sacrifício de
animais, a “lei da liberdade religiosa” (lei nº16/2001) trata do abate religioso de animais em seu art. 26.
FONTE: Yannick Iyes Andrade Robert
carlos alberto plastino e Fabio Carvalho Leite
Nenhum comentário:
Postar um comentário